Inicialmente, os portugueses não pensavam em colonizar o Brasil, pois não tinham visto sinais de ouro e prata. Apenas levavam o pau-brasil, dando bugigangas aos nativos em troca da madeira vermelha, que fornecia um corante utilizado para tingir tecidos. Mas, a partir de 1530, surge a necessidade de ocupar as terras devido à cobiça de espanhóis, franceses e holandeses.
Para a atividade agrícola, precisariam vastas extensões de terra e de mão de obra numerosa, pois queriam cultivar a cana de açúcar, produto de larga aceitação na Europa. Trazer colonos europeus, ficaria muito caro e ainda corria o risco deles se tornarem pequenos produtores independentes, pois eram homens livres. Para a sua empreitada, interessava trabalhadores inteiramente submetidos às ordens dos patrões e que trabalhassem sem exigir nada em troca. Trabalho forçado, que só poderia ser desenvolvido por escravos.
Logicamente, o menos oneroso seria escravizar a população local. E assim foi feito. De uma relação amistosa, os portugueses passaram a escravizar os povos indígenas. Mas não deu certo porque estes resistiam, se embrenhavam nas matas que conheciam muito bem, e aqueles que eram aprisionados não se adaptavam ao trabalho forçado. Foram caçados e quase exterminados.
A saída, sabemos, foi buscar escravos na África a partir de 1560. Jogados nos porões dos navios negreiros, eternizados pelo imortal Castro Alves (V. trechos do poema), homens e mulheres foram transformados em mercadoria, em peças. Vendidos, trocados, marcados a ferro e fogo como bois, trabalhavam em condições desumanas e tinham uma vida útil de sete a dez anos. Os que sobreviviam eram lançados à mendicância ou simplesmente assassinados, pois não era crime matar escravo. Aos desobedientes, os mais cruéis tipos de tortura eram empregados, tais como chicotadas, pontapés, tapas, socos, tronco, pesos para carregar, imobilização, emparedamento, etc.

"Gado, a gente marca, tange, ferra, engorda e mata. Mas com gente, é diferente"!
Por uma questão de sobrevivência, a maioria procurava ser produtiva e útil, cair nas graças dos senhores. Mas outros resistiam das mais diversas formas. De início, individualmente, pois estrategicamente os senhores compravam escravos de etnias diferentes, que nem tinham língua comum ou eram inimigos na África, dificultando a comunicação e a união entre eles. Então, alguns faziam corpo-mole, tratavam de forma inadequada os instrumentos de trabalho e os animais, boicotavam a produção. Outros se recusavam a trabalhar e a comer, até morrerem por inanição; alguns se suicidavam logo, acreditando que seu espírito voltaria a viver livre nos céus africanos.
Com o tempo, foram conhecendo o terreno e fugindo em grupo para locais de difícil acesso, formando comunidades livres, os quilombos. Mas não se articularam entre si, não conseguiram se transformar em força de libertação nacional, em alternativa ao sistema colonial. Cada quilombo era isolado em si mesmo. Palmares (1630-1695), o maior deles, chegou a representar uma ameaça, pois reuniu 20 mil habitantes, praticamente esvaziando as fazendas da Província de Pernambuco, ocupando território que hoje pertence a dois estados: Pernambuco e Alagoas. Quando de sua derrota, o governo colonial proclamou que havia destruído "a maior ameaça à civilização do Brasil".
Mas houve milhares de pequenos e médios quilombos pelo país inteiro. De 1711 a 1798, por exemplo, o território das Minas Gerais abrigou pelo menos127 refúgios de escravos, muitos destruídos e reconstruídos continuamente.
Outra forma de luta adotada pelos escravos foi a participação em insurreições armadas, entre outras: Conjuração dos Alfaiates (Bahia, 1798), insurreição negra liderada pelo preto Cosme Bento das Chagas durante a Balaiada (Maranhão, 1838-1841), Revolta dos Malês ( Salvador, 1835)
Repressão e Cooptação
Não sendo a repressão suficiente para impedir a formação dos quilombos ou rebeliões negras, as classes dominantes começam a adotar práticas preventivas, a ceder os anéis para não perder os dedos. Em troca de alforria, incorporam alguns negros às tropas de homens-do mato, cuja missão é capturar escravos foragidos; Nas zonas rurais, alguns passam a permitir que cultivem um pedaço de terra para alimentar sua família (somente um dia por semana), nas cidades, deixam que os escravos do comércio fiquem com uma pequena parte do lucro. Juntando certa quantia em dinheiro, poderiam comprar sua carta de alforria. É claro que para ter direito a essas concessões, precisam ser totalmente disciplinados, produtivos e a denunciar o menor sinal de rebelião por parte de algum companheiro.
Interesses Imperialistas
No Início dos anos 1800 (Século Dezenove), a Inglaterra, potência em franca expansão, começa a questionar o escravismo colonial e a desfraldar a bandeira do abolicionismo. Não por razões humanitárias. A questão é que a revolução industrial permitia a fabricação de produtos em larga escala e os capitalistas precisavam de mercado para obter lucros. Nessa época, a África não era mais apenas um entreposto para os navios se reabasteceram e receberem os cativos. A colonização avançara para o interior e já havia um mercado potencial. Era mais lucrativo e menos oneroso trocar tecidos e roupas por matéria-prima que comprar seres humanos aos traficantes.
Desse modo, a Inglaterra passa a incentivar, inclusive financiando, movimentos abolicionistas, proporcionando a grande mobilização de escravos que expulsa os franceses de Santo Domingo.
É por isso que para reconhecer a independência do Brasil (1822), exige que em três anos seja suprimido o tráfico de escravos. O acordo foi firmado em 1826. No ano de 1831, o imperador Pedro I promulga decreto reconhecendo como livres todos os africanos que entrarem no Brasil a partir daquele ano.
Mas a lei não foi cumprida. É que além dos fazendeiros, as instituições financeiras tinham como principal fonte de lucro o financiamento do tráfico e os seguros dos navios negreiros. Também eram escravistas 70% dos clientes dos exportadores de tecidos da Inglaterra. Isso explica porque empresários britânicos que apoiaram a rebelião escrava nas Antilhas eram contra a abolição no Brasil. Mas os interesses da burguesia como classe fala mais alto que os interesses de setores de classe. O Estado britânico não recuará do combate à Escravidão.

O Movimento Abolicionista
À pequena burguesia (pequenos e médios comerciantes) brasileiros, interessa o fim da escravidão, vendo na libertação dos cativos e adoção do trabalho assalariado um meio de aumentar sua clientela e enriquecer. Juntam-se assim a setores intelectuais (estudantes, jornalistas, profissionais liberais) e criam o Movimento Abolicionista.
Em sua primeira fase (1830-1882), o eixo de sua ação é a pressão sobre o Parlamento (O regime de governo no Brasil era a monarquia constitucional). Com a ajuda da pressão inglesa, leis abolicionistas vão sendo aprovadas. Acontece que a partir de 1845, a Marinha de Guerra britânica passa a sequestrar navios negreiros em águas territoriais brasileiras, forçando o cumprimento do acordo de 1826.
Em 1850 é promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, que proíbe definitivamente o tráfico de escravos, o qual cessa definitivamente apenas seis anos depois. Em 28/09/1871, é aprovada a Lei do Ventre Livre, mediante a qual os filhos das mulheres escravos são livres, pagando o Estado uma indenização em dinheiro aos senhores.
De 1872 a 1887, o Movimento Abolicionista passa para a ação direta, fazendo campanhas financeiras cuja arrecadação se destina à compra de cartas de alforria e à defesa de escravos perante os tribunais. E a partir de 1887, a ação é de confronto, de incentivo e colaboração para fugas em massa de escravos e formação de quilombos. Os senhores se dividem. Alguns deles, especialmente nos cafezais paulistas, começam a introduzir o trabalho assalariado. Outros resistem e criam milícias próprias para reprimir os fugitivos, bem como assassinar abolicionistas e autoridades que defendessem a aplicação das leis (promotores, juízes, advogados). Mas as fugas persistem. Só que os novos quilombos são muito diferentes dos anteriores. Os negros não têm mais autonomia para construir suas comunidades, suas formas coletivas de viver. Agora, as regras são definidas pelos apoiadores.
Os abolicionistas moderados não concordam com tais métodos radicais, mas, de fato, utilizam-nos para convencer o governo imperial a pôr fim à escravidão. Na verdade, a libertação dos escravos sai de suas próprias mãos e passa para as mãos das classes dominantes, no sentido de proporcionar a mudança das relações de trabalho sem ruptura, sem extinção do latifúndio. Como afirmou o festejado diplomata e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910), em O Abolicionismo: "A emancipação há de ser feita entre nós, por uma lei que tenhs os requisitos externos e internos de todas as outras. É assim, no Parlamento e não nas fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças da cidade, que se há de ganhar ou perder a causa da liberdade. Em semelhante luta, a violência, o crime, o desencadeamento de ódios acalentados, só pode ser prejudicial ao lado que tem por si o direito, a justiça, a procuração dos oprimidos e os votos da humanidade toda".
Apenas um Atestado de Óbito
O ano de 1888 encontra poucos escravos no Brasil. Apenas 600 mil, 4% da população. Antes da guerra do Paraguai (1864), eram 2.500.000 (31,2%) da população. No seu final (1870), eram apenas 1.010.000 (15,2%). Durante essa guerra, foram dizimados 1 milhão de escravos, usados como bucha de canhão, submetidos a maus-tratos, tratados como soldados de segunda categoria.
No ano de 1888, as províncias do Ceará e do Amazonas já haviam abolido a escravidão. Muitas fazendas já adotavam o regime de trabalho assalariado, preferencialmente para imigrantes europeus, mas na sua falta negociavam com os próprios escravos para que não fugissem ou até aceitavam de volta os integrantes dos quilombos domados. Mas a imigração está de vento em popa, com incentivo do próprio Estado brasileiro, que assume o custo das viagens, ajudando a resolver o problema do desemprego na Europa.
Quando a princesa Isabel assina a lei abolindo a escravidão, no dia 13 de maio de 1888, ela nada tem de lei áurea; não passa de um atestado de óbito, do reconhecimento de um fato consumado.
Naturalmente, a historiografia oficial dá a versão que interessa às classes dominantes, passando a idéia de que não adianta os oprimidos lutarem, pois séculos de quilombos e insurreições nada teriam conseguido. A libertação viera da bondade, do espírito magnânimo dos governantes, dos donos do poder.
Ninguém detém o trem da História
E os negros, agora libertos, que destino tiveram? Ora, não houve reforma agrária para que dispusessem de terra para trabalhar; os postos de trabalho nos cafezais do Rio, Minas e São Paulo e nas indústrias dos principais centros econômicos do país estavam ocupados pelos imigrantes. No Brasil, os negros não passaram da escravidão clássica para a escravidão assalariada do capitalismo e sim para a exclusão social. Foram se amontoar nas favelas e mocambos, nos morros e áreas ribeirinhas. A tragédia social, conhecemos bem nos dias de hoje!
Por isso que o Dia da Consciência Negra é 20 de novembro. Data em que Zumbi dos Palmares foi assassinado pelas tropas de Domingos Jorge Velho, bandido paulista, caçador de índios e negros, financiado pelos senhores de Engenho e pelo Estado colonial. Para mostrar o verdadeiro caminho da libertação, cujo dia ainda está por vir. Mas chegará, porque é impossível deter o trem da História
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